A bicicleta é a 'morte lenta do planeta' ou a solução definitiva para crise do clima? Resposta está no meio do caminho
08/11/2025
(Foto: Reprodução) COP 30 - A bicicleta vai salvar o planeta?
Nos últimos anos, a bicicleta tem ganhado espaço no debate sobre mobilidade urbana e sustentabilidade, mas ainda de forma tímida diante da predominância do carro nas cidades brasileiras.
Em um país onde a expansão urbana foi planejada para o automóvel, pedalar continua sendo, para muitos, um ato de resistência ou, ao menos, um desafio cotidiano.
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Nas redes sociais, uma ironia acabou sintetizando esse contraste: “a bicicleta é a morte lenta do planeta”.
A frase, que viralizou em tom provocativo, virou ponto de partida para discutir como o transporte limpo desafia um modelo econômico baseado no consumo de combustíveis fósseis e na dependência do carro particular.
🌎 Na prática, pedalar é o oposto da “morte” do planeta: é menos fumaça, menos ruído e mais saúde.
Ainda assim, o modal segue marginalizado no planejamento urbano.
A malha cicloviária avança lentamente, a integração com outros meios de transporte é limitada e a falta de segurança desestimula novos ciclistas.
Mulher anda de bicicleta na orla da praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Alessandro Buzas/Futura Press/Estadão Conteúdo
Segundo o professor Marcus Quintella, especialista em infraestrutura e diretor da FGV Transportes, a bicicleta ainda ocupa um papel pequeno na matriz de mobilidade brasileira.
“O potencial é enorme, mas as políticas públicas seguem voltadas ao carro. Sem planejamento integrado e infraestrutura adequada, o ciclismo continuará sendo exceção, e não parte da solução”, afirma.
A mudança, dizem especialistas, depende não só de investimentos, mas de uma transformação cultural: uma nova forma de pensar o deslocamento nas cidades, em que a bicicleta deixe de ser vista como símbolo de risco ou informalidade e passe a ser reconhecida como um componente essencial de um sistema urbano mais eficiente e sustentável.
“A bicicleta é um modo de transporte complementar. Ela faz parte da micromobilidade e representa entre 1% e 3% das viagens urbanas no país. Nunca vai ser o principal meio, mas tem um papel essencial na conexão entre diferentes modais”, explica Quintella
Essa função de “alimentar” o sistema de transporte, levando o passageiro de casa até o metrô, o trem ou o ônibus, é fundamental em cidades com redes integradas.
Mas, no Brasil, ainda faltam ciclovias contínuas, bicicletários e segurança viária.
Segundo o IBGE, apenas 1,9% da população urbana, cerca de 3,3 milhões de pessoas, vive em ruas com sinalização para bicicletas, e 54% dos municípios não têm nenhuma ciclovia.
Nas capitais, a malha segregada somou 4.106,8 km em 2024, segundo a Aliança Bike, avanço de 7,3% em um ano. São Paulo (710,9 km), DF (551,5 km) e Fortaleza (443,1 km) lideram em extensão, mas a oferta segue desigual: Macapá, Porto Velho e Manaus têm menos de 30 km cada.
a COP 30 e nosso futuro
“Não adianta ter quilômetros de ciclovias quando elas não são integradas, pavimentadas e sinalizadas adequadamente. O Rio de Janeiro é um exemplo: há problemas de continuidade, pavimento e falta de respeito às leis de trânsito. Veículos estacionam nas faixas e os ciclistas perdem o espaço”, critica o professor.
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Um modal pequeno, mas indispensável
Mesmo com uma fatia pequena no transporte urbano, a bicicleta tem um papel estratégico no debate climático.
O setor de transportes é responsável por cerca de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa, e o modal rodoviário concentra três quartos desse total, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
No Brasil, o transporte representa 14% das emissões nacionais, com 103 megatoneladas de CO₂ apenas no deslocamento de passageiros, de acordo com o SEEG e a AIE.
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Pesquisas mostram que pequenas mudanças de hábito podem ter efeito relevante. Um estudo da Universidade do Sul da Dinamarca indica que, se cada pessoa pedalasse em média 2,6 quilômetros por dia, o planeta evitaria 686 milhões de toneladas de CO₂ ao ano, o equivalente às emissões anuais do Reino Unido.
No Brasil, dados da Aliança Bike e da UFRJ apontam que o uso regular da bicicleta já evita cerca de 385 mil toneladas de gases poluentes por ano.
O Brasil privilegiou historicamente o transporte sobre pneus. É uma questão política e orçamentária: construir trilhos leva tempo e exige investimentos altos. Por isso, as cidades acabaram optando por soluções rápidas, como o BRT, que é um transporte de média, às vezes baixa capacidade, e ocupa espaços que deveriam ser de sistemas sobre trilhos.
Mas para que a bicicleta cumpra seu papel de forma efetiva, ela precisa estar conectada ao transporte de massa e ser amparada por políticas consistentes de segurança e educação no trânsito.
A integração entre bicicleta e transporte público é vista por urbanistas como o principal pré-requisito para consolidar o modal.
Segundo a consultoria McKinsey & Co, sistemas integrados podem acomodar até 30% mais tráfego urbano, com redução de 10% no congestionamento.
Essa integração depende de três eixos: físico (ciclovias conectadas a estações e terminais), tarifário (uso de um único cartão ou app para metrô, ônibus e bicicletas, como o Cartão TOP em São Paulo) e informacional (dados em tempo real sobre a operação, ainda limitados no país).
Mas mesmo nas cidades com mais estrutura, os gargalos persistem. São Paulo concentra a maior malha cicloviária do Brasil, com cerca de 710 km, mas enfrenta problemas de largura insuficiente, semáforos inadequados e trechos desconectados.
Um levantamento municipal de 2025 apontou que apenas metade dos cruzamentos oferece travessias seguras a quem pedala.
Além disso, a prefeitura prometeu construir 300 km adicionais até 2024, mas entregou menos de 10% da meta.
Ciclistas na ciclovia da marginal Pinheiros, nesta segunda-feira (11 de outubro de 2021).
ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
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