Em 10 pontos, entenda o que a Cúpula de Líderes mostra sobre o rumo da COP30 e seus desafios
08/11/2025
(Foto: Reprodução) COP30: Retrato de um mundo em transformação geopolítica
A Cúpula de Líderes do Clima, realizada entre quinta-feira (6) e sexta-feira (7), deixou recados políticos claros antes do início da COP30: é preciso acelerar a transição energética, fortalecer o financiamento climático e proteger as florestas tropicais.
Os primeiros compromissos assumidos por alguns dos líderes globais presentes em Belém mostram o tamanho dos desafios que os negociadores enfrentarão ao longo das duas semanas da Conferência do Clima, que começa na segunda (10).
Os primeiros compromissos assinados sobre uso de combustíveis sustentáveis, o lançamento do Fundo Florestas Tropicais (TFFF) e uma nova coalizão para mercados de carbono são considerados passos iniciais, mas eles ainda não mobilizaram a maioria dos países e, em alguns casos, seus termos são considerados frágeis diante da aceleração das mudanças climáticas.
Abaixo, em 10 tópicos, os debates e os acordo da Cúpula de Líderes e o que esperar da COP30.
Belém 4X: o que é o compromisso dos combustíveis sustentáveis?
Mercados de carbono: o que muda com a nova coalizão internacional?
Fundo Florestas Tropicais (TFFF): quem financia e qual o objetivo?
Fim dos fósseis: os sinais políticos e as lacunas do debate
Metas climáticas (NDCs): o déficit global e o desafio da COP30
‘Mapa do caminho’: como a COP30 quer transformar discurso em plano real?
Adaptação climática: o que é o GGA e por que as negociações emperraram?
Financiamento climático: o impasse que pode travar a COP30
Racismo ambiental: como entrou e o que muda no debate global?
Próximos passos: o que esperar da abertura oficial da COP30?
a COP 30 e nosso futuro
1) Belém 4X: o que é o compromisso dos combustíveis sustentáveis?
Dezenove países assinaram o “Compromisso de Belém pelos Combustíveis Sustentáveis”, batizado de Belém 4X. O plano busca quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035, com acompanhamento anual da Agência Internacional de Energia (AIE).
A proposta aponta que a eletrificação sozinha não é suficiente para descarbonizar setores intensivos em energia, como transporte pesado e indústria, e aposta em alternativas como hidrogênio e seus derivados, biogases, biocombustíveis e combustíveis sintéticos, todos produzidos em escala e a preços competitivos, em complemento às fontes renováveis tradicionais.
⚡ENTENDA: A transição energética é um dos grandes temas da COP30. Ela sintetiza um dos maiores desafios das próximas décadas: transformar a forma como o mundo produz e consome energia, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e ampliando o uso de fontes renováveis.
Vista da entrada principal do prédio da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), à noite, em Belém (PA), em 7 de novembro de 2025.
Mauro Pimentel/AFP
Mas o plano também dividiu opiniões. Organizações da sociedade civil alertam que os combustíveis sustentáveis não podem substituir o esforço de reduzir a produção e o consumo de petróleo, sob o risco de se tornarem um “atalho” para adiar a transição energética.
O Instituto Talanoa analisou que o discurso do presidente Lula na sessão temática sobre transição energética deu ênfase a acelerar o uso de combustíveis sustentáveis em vez de buscar um compromisso com um prazo para o mundo parar de queimar combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás).
Como funcionam as discussões da COP, a conferência do clima da ONU
Um indígena participa de uma manifestação em defesa da Amazônia durante a Cúpula do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA), na quinta-feira, 6 de novembro de 2025.
AP Photo/Eraldo Peres
2) Mercados de carbono: o que muda com a nova coalizão internacional?
A chamada Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono busca aproximar países que já operam, ou pretendem criar, seus próprios sistemas de mercado de carbono, mecanismos usados por países e empresas para colocar um preço nas emissões de gases que aquecem o planeta.
O grupo reúne Brasil, China, União Europeia, Reino Unido, Canadá, Chile, Alemanha, México, Armênia, Zâmbia e França, e pretende facilitar a troca de experiências sobre como monitorar e verificar emissões, além de definir critérios para o uso de créditos de alta integridade, que representem de fato cortes reais de poluição.
Na avaliação de diplomatas, a iniciativa busca trazer previsibilidade e transparência a um sistema que ainda é fragmentado no mundo.
💰💰💰Com regras mais alinhadas, os países esperam reduzir custos, atrair investimentos e acelerar a descarbonização de setores intensivos, como energia e transporte.
Mas a proposta também gerou cautela entre ambientalistas. Eles alertam para o risco de créditos sem lastro ambiental e para possíveis casos de dupla contagem, quando uma mesma redução de emissões é registrada por mais de um país.
Há ainda o desafio de garantir compatibilidade com o Artigo 6 do Acordo de Paris, que regula as trocas internacionais de créditos.
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3) Fundo Florestas Tropicais (TFFF): quem financia e qual o objetivo?
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) foi um dos anúncios mais aguardados da Cúpula de Líderes da COP30, em Belém.
A proposta é criar uma fonte permanente de recursos para países que mantêm suas florestas preservadas, tornando a conservação mais vantajosa do que o desmatamento.
🌳 💵 O QUE É O TFFF: O fundo é um mecanismo financeiro proposto pelo Brasil que usa um modelo de investimento de renda fixa para gerar recursos destinados à conservação de florestas tropicais. Não se tratam de doações. O lucro das aplicações será usado para remunerar países que mantêm suas florestas em pé, com prioridade para nações como Brasil, Indonésia e Congo.
Os compromissos iniciais somam mais de US$ 5,5 bilhões. A Noruega prometeu US$ 3 bilhões ao longo de dez anos; Brasil e Indonésia, US$ 1 bilhão cada; e a França, US$ 500 milhões.
A Alemanha confirmou que vai participar, mas ainda não detalhou valores. Já o empresário australiano Andrew Forrest se tornou o primeiro investidor privado, com US$ 10 milhões, e a Comissão Europeia indicou que deve anunciar um aporte nas próximas semanas.
A iniciativa também foi vista por ambientalistas como uma forma de colocar valor econômico na floresta em pé e garantir financiamento estável para a proteção ambiental.
Mas o fundo também levanta dúvidas. Grupos da sociedade civil afirmam que o valor ainda é baixo diante da escala do problema e cobram transparência na gestão, métricas de resultados e prioridade para povos indígenas e comunidades locais.
Esses temas devem ganhar força nas negociações da COP30, especialmente nas discussões sobre desmatamento zero até 2030.
"O apoio ao TFFF merece destaque: as dotações anunciadas certamente motivarão outros países a contribuírem em prazo adequado para que este instrumento inovador se torne operacional em breve", diz Maurício Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional Brasil.
"Em suma, a Conservação Internacional faz uma avaliação positiva destes dois dias de Cúpula do Clima e, com base neles, acredita que a COP30 poderá entregar resultados robustos para o enfrentamento da crise climática".
Vista aérea da floresta tropical do Gabão, no Arboreto Raponda Walker, Gabão, em 11 de outubro de 2021. Imagem capturada por drone.
REUTERS/Christophe Van Der Perre
4) Fim dos fósseis: os sinais políticos e as lacunas do debate
Um dos principais gestos da Cúpula de Líderes foi trazer o fim dos combustíveis fósseis para o centro da conversa. O Brasil, como país-anfitrião, deu um sinal político ao defender que a transição energética precisa ser justa e incluir todos os países, sem deixar ninguém para trás.
Mas, na prática, o debate ainda ficou no campo das intenções. Não houve detalhamento sobre como transformar esse impulso em medidas concretas, como prazos, fontes de financiamento e garantias de equidade.
Especialistas lembram que as nações ricas continuam evitando discutir como vão cumprir suas responsabilidades históricas ou apoiar o Sul Global na substituição de petróleo, gás e carvão.
A expectativa é que a COP30 seja o momento de converter discurso em ação, com compromissos claros para reduzir a dependência dos fósseis e acelerar investimentos em energia limpa.
Ainda assim, as contradições ficaram à mostra. O Brasil foi criticado por autorizar a exploração de petróleo na margem equatorial poucos dias antes do encontro e outros países também anunciaram metas sem apresentar o caminho financeiro ou tecnológico para cumpri-las.
5) Metas climáticas (NDCs): o déficit global e o desafio da COP30
Até agora, pouco mais de 100 países enviaram suas novas metas para 2035. Mas a maioria ainda está longe do necessário para conter o aquecimento global.
Apenas dois têm planos compatíveis com o limite de 1,5°C, e quase 90 países sequer apresentaram novos compromissos.
Na prática, as metas atuais cobrem só 30% das emissões do planeta e levariam a uma redução de apenas 4% até 2035 — quando a ciência aponta que seria preciso cortar cerca de 60% para manter o clima sob controle.
Para especialistas e organizações brasileiras, Belém não pode ser mais uma COP protocolar. A conferência precisa restaurar a confiança no Acordo de Paris e entregar respostas políticas de alto nível, com metas mais ambiciosas e planos reais para esta década.
Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, diz que o tema ficou em segundo plano no primeiro dia de debates.
“É algo muito importante que, no dia de hoje, foi pouco ou quase nada falado. Os países não entregaram suas promessas de clima, e corremos o risco de ter uma COP que começa e termina sem sabermos o que eles vão fazer. Os discursos são bem-vindos, mas precisamos que isso vire compromisso formal: que os países que ainda não entregaram, entreguem, e que os que entregaram pouco, revejam e melhorem suas metas”, afirmou.
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Delegados ouvem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o discurso de abertura da Cúpula do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA), na quinta-feira, 6 de novembro de 2025.
AP Photo/Eraldo Peres
6) ‘Mapa do caminho’: como a COP30 quer transformar discurso em plano real?
Quando o Brasil fala em um “mapa do caminho”, a ideia é tirar do papel a decisão tomada na COP28, em Dubai, de promover uma transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis.
🗺️ 🛣️ ENTENDA O TERMO: “Mapa do caminho” ou roadmap (em inglês) é o termo usado em negociações internacionais para designar planos de ação que estabelecem etapas, prazos e metas concretas rumo a um objetivo comum. Na prática, trata-se de um roteiro político e técnico que define “quem faz o quê, até quando e com quais recursos”.
Na prática, isso significa construir critérios comuns entre os países e definir um calendário realista, levando em conta as diferentes capacidades e responsabilidades de cada nação, para substituir óleo, gás e carvão por fontes renováveis e eficiência energética.
A presidência brasileira da COP30 defende que esse roteiro precisa ganhar forma em Belém, não apenas como um compromisso político, mas como um plano com metas e mecanismos concretos.
"É fundamental que a ambição não se limite às ações de mitigação — ela também deve envolver a entrega efetiva de recursos", avalia Vaibhav Chaturvedi, pesquisador sênior do Council On Energy, Environment and Water (CEEW).
7) Adaptação climática: o que é o GGA e por que as negociações emperraram?
A COP30 precisa concluir o chamado Marco UAE–Belém para Resiliência Climática Global, que vai definir os indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA), um instrumento criado para medir como os países estão se preparando para enfrentar os impactos do clima.
A proposta em debate prevê cerca de cem indicadores, que vão desde o acesso a financiamento, tecnologia e capacitação até a inclusão de dados desagregados sobre grupos mais vulneráveis, como comunidades tradicionais e populações de baixa renda.
Esses indicadores devem se conectar a planos nacionais de adaptação, comunicações de adaptação e relatórios de transparência, permitindo comparar o avanço entre países.
Na prática, o objetivo é dar clareza sobre quem está se adaptando, e quem ainda está ficando para trás. Mas as conversas estão travadas. Países pedem metas mais ambiciosas, enquanto alertam que sem recursos estáveis e previsíveis, o sistema de monitoramento corre o risco de virar apenas um ritual simbólico.
Por isso, a adaptação está diretamente ligada à discussão sobre financiamento climático, que deve dominar a próxima etapa das negociações em Belém.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ouve o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA), na quinta-feira, 6 de novembro de 2025.
AP Photo/Fernando Llano
8) Financiamento climático: o impasse que pode travar a COP30
Se Belém foi o momento de anunciar visões e coalizões, a COP30 será o teste de caixa: quem paga, quanto, como e quando.
Países em desenvolvimento insistem que transição energética, proteção às florestas e adaptação não acontecem só com boa vontade. É preciso financiamento em escala, com juros baixos, mais doações e menos endividamento, especialmente diante do custo do crédito elevado no Sul Global.
A discussão ganhou força com o lançamento de novas iniciativas, como o TFFF e e as coalizões de combustíveis sustentáveis e mercados de carbono.
Mas diplomatas e pesquisadores lembram que a arquitetura financeira internacional ainda opera como se a crise climática fosse um capítulo à parte da economia, e não o eixo central da política pública e do investimento global.
“Estamos à beira de pontos de inflexão climáticos e da potencial perda da Amazônia, então, esta COP precisa, simplesmente, promover a mudança urgente necessária. Não há segunda chance e tudo começa com os líderes, que devem dar à COP30 um mandato claro para fechar a lacuna da ambição de 1,5°C", avalia Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil.
9) Racismo ambiental: como entrou e o que muda no debate global?
Na Cúpula de Líderes também foi aprovada a Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental, considerada um marco por unir, pela primeira vez, justiça racial e ação climática em um mesmo acordo internacional.
O texto reconhece que os impactos da crise climática e da poluição não são distribuídos de forma igual, eles recaem com mais força sobre comunidades afrodescendentes, indígenas e locais. A declaração coloca justiça racial e ambiental como pilares inseparáveis do desenvolvimento sustentável e abre caminho para uma resolução futura da ONU sobre o tema.
A iniciativa é vista como um avanço político inédito, que deve influenciar as conversas sobre transição justa e adaptação ao longo da COP30.
10) Próximos passos: o que esperar da abertura oficial da COP30?
A partir de segunda, mais de 50 mil pessoas de quase 200 países devem circular por Belém em duas semanas de negociações, exposições e debates.
A programação começa com a abertura oficial, a adoção da pauta e a divisão dos temas entre os grupos de trabalho.
Na frente da transição energética, o Brasil tentará firmar o “mapa do caminho” com critérios e sinais financeiros.
Em adaptação, as discussões giram em torno de indicadores do GGA e de metas confiáveis para triplicar recursos até 2030.
No tema de finanças, o desafio é tirar o Roteiro de Baku a Belém do papel e transformá-lo em compromissos verificáveis.
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