MC Olavo Bilac e os Parna Rappers: clipes feitos com IA 'rejuvenescem' poesias parnasianas e podem até ajudar nos estudos para o Enem
08/11/2025
(Foto: Reprodução) Parna Rappers: poemas do século XIX viram rap em clipes feitos por IA
Sonetos do século 19, como os de Olavo Bilac, com batidas de rap e clipes gerados por inteligência artificial. O resultado, além de fazer sucesso nas redes sociais, pode ser útil a estudantes que farão o Enem, segundo professores ouvidos pelo g1.
No primeiro dia de provas, neste domingo (9), os candidatos vão encarar questões de Linguagens em que o Parnasianismo costuma marcar presença. Se cair, por exemplo, a poesia "Música Brasileira", a versão cantada do "MC Olavo Bilac" no Parna Rappers (veja no vídeo acima), pode já estar na cabeça do estudante seguidor do perfil.
"É bem mais atrativo para o aluno porque modifica a abordagem temática. E, quando se mantém uma estrutura parnasiana, com o discurso atual, cria um diálogo objetivo, onde o aluno se enxerga naquele contexto", analisa Daniel Oliveira, professor de português e literatura do colégio Matriz Educação.
"Os poemas parnasianos são considerados mais difíceis porque fogem da normatividade da narração. Os textos são melhor entendidos quando contam histórias, mas o parnasiano é um texto descritivo e menos atrativo", explica Daniel.
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O professor Literatura do Colégio Qi, Hugo Sant’Anna, concorda e vê as novas tecnologias como aliadas na formação dos alunos.
"A ajuda de um perfil como o Parna Rappers é enorme e evidente para os estudantes que buscam fazer o Enem e, talvez, até necessária (...) a poesia vem da música e o retorno a ela, por meio de poemas que são ricos em rimas, é algo incrível e significativo. Belchior, por exemplo, fez isso, no passado, ao citar Bilac, um grande parnasiano, em "Divina comédia humana"", avaliou.
"Um perfil como o Parna nos mostra como a internet chegou pra ficar e pode ser absurdamente positiva e convidativa, sem falar do seu caráter democrático, de levar poemas para boa parte de estudantes", completou.
Em quase todas as edições do exame nacional, poemas costumam aparecer para analisar linguagem, estilo, figuras retóricas e também para discutir o contexto histórico e cultural dos movimentos literários.
O padrão da prova não é cobrar datas ou classificações, mas, sim, interpretação, o que abre espaço para novas maneiras de aproximar o estudante da poesia.
"Ter literatura nas redes sociais, é um suspiro poético, em meio a uma enormidade de informações", comentou o professor Hugo Sant’Anna.
Nos últimos anos, questões do Enem usaram poemas de diferentes épocas. Em 2019, o exame cobrou a identificação de imagens e do eu lírico em poemas do caderno de Linguagens.
Em 2020, a prova voltou a apresentar textos poéticos como base para perguntas sobre construção de sentidos.
Em 2023, um trecho de Bilac, autor central do Parnasianismo, reapareceu na prova, mostrando que poemas do fim do século 19 seguem no repertório do exame.
Os poetas MCs e a IA
Parna Rappers: Poemas do século XIX viram rap e somam 800 mil visualizações em clipes feitos por IA
Reprodução redes sociais
É justamente nessa intersecção entre tradição e novas linguagens que surgiu o Parna Rappers, projeto criado pelo publicitário carioca Gabriel Gil que transforma sonetos parnasianos em clipes de rap com imagens geradas por inteligência artificial.
O resultado do projeto virou material de estudo em salas de aula, segundo o próprio autor.
"A ideia era conectar os poemas antigos com os ritmos e as tecnologias de hoje. É legal ver como as pessoas gostam e mandam mensagens. Tem professores que me procuram para comentar”, conta Gabriel.
Poesia no Enem
Embora o Enem priorize movimentos como Modernismo e Romantismo, o Parnasianismo segue como conteúdo possível nas questões de Linguagens, especialmente quando a prova coloca poemas em contraste ou discute a evolução da poesia brasileira.
Além de Bilac, obras de autores como Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Vicente de Carvalho também já apareceram em edições do exame.
A abordagem costuma ser interpretativa, quando o candidato precisa identificar efeitos de sentido, reconhecer o papel da forma rígida, da métrica perfeita, da rima ou da objetividade do poema.
Nesse contexto, o Parna Rappers acaba funcionando como uma espécie de “tradução estética” do repertório, segundo professores.
Sonetos parnasianos ganham ritmo de rap e visual contemporâneo, fazendo uma ponte que aproxima os versos de estudantes.
“Os poemas vão se encaixar super bem com o rap, principalmente com o Parnasianismo, porque a galera (autores da época) primava muito pelo rigor, com a métrica, as sílabas bem encaixadas (...) Eles tinham esse rigor pela métrica e isso garante que cada poema vai funcionar”, explica Gabriel.
Parna Rappers: Poemas do século XIX viram rap e viralizam em clipes de IA
Reprodução redes sociais
IA, música e novas linguagens
O Parna Rappers começou a ganhar forma em abril deste ano, quando Gabriel decidiu testar ferramentas de criação musical e geração de imagens. Os beats são feitos na plataforma Suno, e os clipes são montados a partir de sequências criadas por IA.
“Não é só apertar um botão (...) A IA às vezes dá uma alucinada, algum verso quebra o ritmo da poesia, mas eu arrumo, não mexo em nada no poema original. Todo vídeo tem a letra ou o poema original”, contou Gabriel.
A métrica regular dos parnasianos, com os famosos sonetos de 14 versos, tornou o trabalho naturalmente compatível com vídeos curtos, o formato favorito das redes sociais.
O criador foi mapeando poetas do século 19 e início do 20, consultando sites especializados e o acervo da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Ao todo, ele planejou 50 vídeos. Atualmente, 33 clipes já foram publicados no Instagram, Tiktok, Youtube e Spotify. Vilaça, Bilac, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, Francisca Júlia, Teófilo Dias, Augusto dos Anjos e outros autores entraram na lista.
“O projeto mostra como está a tecnologia. Coloca a poesia onde ninguém imaginava encontrar”, resume o idealizador.
Impacto em sala de aula
O fenômeno ultrapassou as redes. Com mais de 800 mil visualizações em todas as plataformas, professores passaram a usar as músicas nas aulas de literatura, especialmente para aproximar os estudantes de poemas que normalmente parecem distantes da realidade jovem.
“Os professores estão proibindo celulares nas escolas, todo mundo distraído, e de repente tem esse poema que, só de ler, não gera reflexão, mas como música pode ser mais interessante e pode levar a outros versos”, diz o autor.
“Se um vídeo impactar uma única pessoa ao ponto dela pesquisar mais sobre o poeta ou sobre poesia, já valeu a pena”, comenta Gabriel.
Francisca Júlia da Silva foi considerada a maior poetisa parnasiana do Brasil e também está no Parna Rappers
Reprodução redes sociais
Na opinião do professor Daniel, o rap e a tecnologia desperta a atenção do aluno e leva ele para temas que ele talvez não tivesse interesse.
"O rap, de uma maneira bem objetiva, transpõe uma expressão cultural jovem. Não que o rap seja jovem, mas a linguagem do rap hoje é uma linguagem muito acessível ao jovem, muito atrativa, por conta da rima, por conta da maneira que o rap se dá. Então isso já torna o rap algo bastante atrativo para o aluno".
No perfil do Parna Rappers no Instagram, é comum encontrar comentários de seguidores reforçando a função didática do projeto. Até quem não parece ser fã do Parnasianismo tem contato com as poesias e autores.
"É uma excelente maneira de trabalhar esse e tantos outros escritores que, no geral, soam como 'chatos' de se ler", escreveu uma seguidora.
"Muito bom. Queria ter assistido a uma aula de literatura no ensino médio com essa trilha sonora", comentou uma professora.
“Esse canal deve ser visto por todos os brasileiros. Vocês deveriam receber um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Trabalho incrível", escreveu outro seguidor.
"Muito obrigado pelo maravilhoso serviço à Literatura", comentou um escritor.
"Altamente recomendado para professores de língua e literatura brasileira", disse outro seguidor.
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Alfabetização midiática na redação
Além de ajudar no desenvolvimento do aluno, o uso de IA e de formatos diferentes de produção também dialoga com a Competência 5 da redação do Enem.
A Competência 5 mede se o candidato sabe propor soluções para o problema do tema da redação e se demonstra uso crítico da tecnologia, das mídias e da informação, algo que se torna cada vez mais relevante em temas ligados ao digital.
O professor Daniel Oliveira acredita que os alunos que conseguem ter um repertório mais variado de conhecimento vão ter mais facilidade na construção da redação.
"Repertório é efetivamente todo e qualquer conhecimento de mundo que o aluno tem, que dialogue de maneira objetiva com a temática da redação e que o permita associar esse repertório ao desenvolvimento que ele está apresentando. O aluno que entende que repertório é conhecimento de mundo, ele vai olhar para o rap, ele vai olhar para o Djonga, para o Emicida, para esses autores parnasianos e vai encontrar nesses autores inspiração e sustentação para o argumento que ele está desenvolvendo ao longo do texto", diz.